quarta-feira, 4 de maio de 2011

A Distopia do Século XX

  O que se segue é uma trabalho escolar que fiz, no ano passado (2010), para a aula de sociologia. O tema era sobre "A DISTOPIA DO SÉCULO XX", intercalando com a interpretação do ponto de vista sociológico do livro "ADMIRÁVEL MUNDO NOVO" (Aldous Huxley) e o poema "OPERÁRIO EM CONSTRUÇÃO" (Vinicius de Moraes).

SUMÁRIO

UTOPIA E DISTOPIA

ADMIRÁVEL MUNDO NOVO E A ALIENAÇÃO NA LITERATURA
 
CONSTRUÇÃO

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
__________________________________________________________________


UTOPIA E DISTOPIA

Para que se possa entender a distopia do século XX, e que mudanças a tecnologia voltada para o consumo interferiram na sociedade nesta época e da forma que esse fenômeno foi retratado nas diversas literaturas, tem-se que, primeiramente, saber o significado de distopia, e de seu antônimo utopia.
Utopia remete uma ideologia ou um plano inexistente. Através da ciência, que pretende expor a verdade, e a literatura que simula uma verdade, tenta-se explicar, representar e expressar uma realidade inatingível. Sendo automaticamente remetida a algo fantasioso.
As utopias surgiram como uma imagem invertida do real, onde só seria possível realizá-la a partir do momento em que as crenças místicas (mitos, religiões, rituais, etc.) fossem superadas, voltando suas ideologias para o racional extremo. Denominando a utopia como o sonho da razão.
Para que esse conceito possa ser exemplificado, além das referências que servirão de exemplificações posteriores, tem-se uma frase do Theodor Adorno que traduz o dito antes: “O esclarecimento, ou seja, a razão instrumental, é a radicalização da angústia mítica”.
Já a distopia é o contrário de utopia. A distopia mantém a tentativa de criar e simular uma verdade, só que sob tensões sociais voltadas à violência e/ou controle social (exemplo são os livros: “Laranja Mecânica” de Anthony Burgess, “Admirável Mundo Novo” de Aldous Huxley e “1984” de George Orwell). Podendo também ser chamada de “utopia negativa”.
A distopia sempre está relacionada a universos opressivos, totalitários, em que a individualidade humana é sacrificada a razões do Estado, gerando na sociedade crises em relação à desimportância da cultura, arte e religião. Esse fato é a conseqüência do excesso de razão idealizado nas utopias junto com as mudanças comportamentais à base da tecnologia que estimula o consumo excessivo e a padronização humana. A distopia é nada mais que o conformismo e o negativismo social através de um senso comum descrente de melhorias positivas.

ADMIRÁVEL MUNDO NOVO E A ALIENAÇÃO NA LITERATURA.

A partir das definições anteriores pode-se começar a entender como as mudanças sociais do século XX influenciaram diretamente na literatura.
O livro “Admirável Mundo Novo” do escritor inglês Aldous Huxley, foi escrito e publicado na década de 1930. Neste período a sociedade mundial deparou-se com a criação do automóvel e sua forma de produção (em série), que visava a padronização nas etapas de produção e acabamento final de um determinado produto de forma ágil e seqüencial (ou setorial). Essa influência denomina-se Henry Ford, criador da marca e dos veículos Ford e seu sistema de produção em série. Esse fenômeno é visível do livro de Huxley, no qual a figura divina da população atmosférica do livro é o próprio Ford. (Ex: D.F – Depois do Deus Ford).
No livro, o conceito de produção em série é visto no meio de procriação dos homens. Rondada por alta tecnologia genética, médica e biológica que evita o contato sexual e íntimo entre os indivíduos. Os embriões são “fabricados” através de combinações genéticas e condicionamentos para determinadas funções e classes hierárquicas (castas). O condicionamento é uma “determinação” sobre as atitudes e conceitos de felicidade de acordo com cada casta. O condicionamento nada mais é que a teoria do comportamentalismo, no qual o ser humano é padronizado e rotulado (Alfas, Betas, Gamas, Deltas e Ípsilons), fabricado em série para que sua vida seja destinada na execução de uma determinada atividade, e que isso seja a felicidade desde indivíduo. O condicionamento idealizado por Huxley também limita o pensamento pessoal, pois atividades como leitura, sexo ou outras privacidades são consideradas totalmente imorais nesse universo. Em uma passagem do livro, até para se drogarem (soma) devem ser publicamente e comunitariamente.
Para que haja uma relação do enredo do romance com sua categoria de distopia, tem-se que entender o título da obra (Admirável Mundo Novo), que vem de uma frase declamada na peça “Hamelet” de Shakespeare. Num primeiro momento, o romance demonstra-se uma utopia por expor um mundo em que todos são felizes e a sociedade é altamente desenvolvida por meio de tecnologia e razão instrumental. Essa “utopia” é confirmada pela personagem John (o selvagem), que sonha em fazer parte desse mundo, julgando-o extremamente civilizado. Num segundo plano, o selvagem depara-se com uma sociedade em que a arte (principalmente a leitura de romances românticos) e a religião foram banidas, e que não existe
mais nenhum tipo de sentimento em relação ao próximo, exceto a obsessão pelo consumo e pelo status social, que faz com pessoas se aproximem de outras pessoas. E que qualquer forma de rebelião contra esse sistema comportamentalista e, numa passagem do livro, contra a droga soma, será radicalizada. Nessa nova concepção o selvagem refaz a afirmação sobre o novo mundo, de forma irônica e conformista, características bastantes distópicas marcadas pelo suicídio do selvagem que como não foi condicionado, não conseguiu adaptar-se e muito menos encontrar a felicidade neste “admirável mundo novo”.
O livro é marcado pelo alto desenvolvimento de uma futura civilização inglesa. Esta marcada por uma excessiva razão instrumental, em que consegue manipular o condicionamento de cada individuo, fazendo-o feliz de acordo com as necessidades que convém para a manutenção em todos os setores que façam parte de uma sociedade civilizada. Essas necessidades à base do comportamentalismo fazem direta relação com a teoria da alienação estabelecida por Karl Marx, no século XIX. A Teoria da Alienação é referente aos processos burgueses, industriais, tecnológicos e capitalistas que interferem diretamente na relação social e comportamental do homem. A primeira alienação é relacionada à Liberdade, na qual o indivíduo acredita que a possui para usufruí-la ou vendê-la a quando lhe convenha. Porém esse precisa obrigatoriamente sacrificar sua liberdade para poder manter sua estabilidade social e substancial. Esse fenômeno é denominado por “falsa liberdade”, que é a dependência de um meio que envolve atividade remunerada para manter uma suposta posição social. A segunda alienação é relacionada à perda da noção do todo, ou seja, o indivíduo não tem acesso e posse daquilo que é fruto de seu trabalho (exemplo é o caso do funcionário que sempre fez parte da linha de produção e nunca pôde comprar um FORD T, no documentário “Nós que aqui estamos por vós lhe esperamos”). Fazendo um parêntese com o livro de Huxley, a casta operária (Ípsilons) não tem nenhum acesso daquilo que produzem, apenas recebem como forma de recompensa (faça o que eu quero que lhe presenteio – teoria comportamentalista) uma dose de pílula soma. A teoria da alienação se resume em estar fora do comum, ou seja, a anormalidade de algo não pertencer a quem é de direito ou decorrente de alguma atividade, e sim de outro.
No Brasil esta teoria (tanto a da alienação como a do comportamentalismo) foi traduzida através do poema “Operário em construção” do poeta Vinicius de Moraes. Nele o operário em questão é uma alegoria de todo o proletariado. Há, antes de começar a primeira estrofe do poema, um versículo da bíblia, em que Jesus é comparado ao operário e que é persuadido para adorar seu patrão (o Diabo), escravizando-se, vendendo sua força de trabalho
e liberdade, caindo, portanto na alienação marxista. Neste versículo Jesus não se submete ao Diabo não caindo na alienação.
No poema o operário é um leigo, no qual o trabalho (ou a construção) gera sua alienação, pois acredita que pode ou não escolher trabalhar, porém precisa obrigatoriamente desse meio, escravizando sua liberdade, por não poder deixar de trabalhar, senão não garante seu sustento pessoal e social. Nessa situação o operário encontra-se numa prisão ideológica, na qual prevalece a “mais-valia” que é o lucro do trabalho revertido ao patrão, e o salário do operário é menor que esse lucro, e o fruto de seu trabalho, que é sempre maior que seu salário, torna-se inatingível. A repetição desse serviço gera a racionalização do operário. Percebendo que o trabalho o transformou, e que o verdadeiro país é construído a partir do proletariado, e este é menosprezado pelas classes burguesas (consciência de classe social). A conscientização faz com que o operário se revolte contra seu patrão (“Que sempre dizia sim / Começou a dizer não / E aprendeu a notar as coisas / A que não dava atenção”), e a forma de revolta que encontrou foi através de greves, manifestações e até mesmo passeatas (motins). Como a greve interfere diretamente no lucro do patrão, por ser a paralisação da produção, leva o patrão a fazer “politicagem trabalhista” (falsas promessas, falsa democracia interna e a idealização de uma utopia que supostamente seria alcançada de acordo com o comportamento do operário – comportamentalismo), podendo ser exemplificada nos seguintes versos: “- Loucura! – gritou o patrão / Não vês o que te dou eu? / - Mentira! – disse o operário / Não podes dar-me o que é meu.”. Mesmo manifestando, o operário tem que trabalhar para manter sua sobrevivência, aceitando e se submetendo novamente a outro homem. Só que agora ele está “construído”, consciente da desigualdade e de sua escravidão, que faz com que surge o sindicalismo, que é um movimento de submissão do proletariado, porém faz com que continuem as greves em busca dos direitos sociais, trabalhistas e morais dos operários, mas sempre exercendo seu trabalho para poderem manter sua sobrevivência e a manutenção social. Mantendo por tanto o ciclo capitalista, que é a “luta” entre a classe pobre (proletariado) e a classe dominante (burguesia), sempre em busca de igualdade social dentro do sistema capitalista (doce utopia).

CONSTRUÇÃO

No caso do personagem lírico do poema “Operário em construção”, este (o operário) sempre será alvo de perseguições, pois representa uma ameaça (através dos sindicatos e greves paralisantes) ao sistema de produção capitalista. Sendo sempre uma figura notável na sociedade. Porém existe outra classe social, em que indivíduos fazem parte dela, mas apenas a vivem, não se tornam importantes ou muito menos notáveis. Sendo “descartáveis”, que quando retirados do meio geram uma melhoria social.
Essa concepção é também descrita na literatura, como no livro “A hora da estrela” de Clarice Lispector, em que a personagem Macabéa só foi “notada”, ainda que de forma negativa ao ser atropelada e atrapalhar o trânsito, causando uma interferência no cotidiano daqueles que passaram pelo mesmo caminho que Macabéa.
Essa concepção pode ser denominada como “negativista”. Na qual um indivíduo que sempre garantiu, de acordo com sua posição social, a manutenção da sociedade capitalista, nunca foi percebido devido a fazer sempre aquela mesma atividade, não proporcionando ameaça ou aversão a aquilo que lhe é imposto ou determinado. Dessa forma, ao se envolver em algo que resultará numa mudança, num determinado espaço e tempo (como um acidente de trânsito, no caso de Macabéa, ou como uma manifestação, no caso do selvagem no livro de Huxley ou a greve no poema de Vinicius). E normalmente essa mudança, dentro da realidade distópica, será de forma negativa, pois aquele momento de “glória” do indivíduo envolvido num acidente ou greve, mesmo estando na situação de vítima, será mal visto por resultar em uma atrapalhação do cotidiano padronizado daquelas pessoas que também estão envolvidas na situação.
Outro exemplo desta teoria é a letra de música “Construção”, composta pelo cantor brasileiro Chico Buarque de Holanda. Nela o operário da situação começa a realizar determinadas atividades para que seja notado pela qualidade daquilo que faz, como amar mais sua mulher e seus filhos, realizar o trabalho (a construção) como a eficiência de uma máquina e de forma que pareça realizado através de mágica, etc. Porém isto não basta, pois esse operário estará apenas realizando seu trabalho com mais eficiência, trazendo mais lucro ao seu patrão, alimentando e garantindo a manutenção da sociedade capitalista, que como não trás nenhum perigo a este sistema, não será uma ferramenta de importância social notável,
exceto pelo momento em que bebeu demais e ao ficar bêbado atravessou a rua e foi atropelado, atrapalhando o trânsito e o sábado, tendo seu momento “hora da estrela”. (Morreu na contramão atrapalhando o tráfego / Morreu na contramão atrapalhando o público / Morreu na contramão atrapalhando o sábado.)
Em suma, a literatura do século XX voltou-se para a construção de ambientes distópicos, mostrando o quanto os avanços tecnológicos e científicos podem interferir diretamente na sociedade e até que ponto isso é algo positivo ou negativo. Uma dessas interferências foi a padronização comportamentalista, que gera a padronização do homem por meio de condicionamentos. Nesses condicionamentos são impostas ideologias que alimentam a alienação humana, debatida antes por Marx, que torna o indivíduo mais um dentre outros, só sendo importante quando se rebelava contra o sistema ou atrapalhava o cotidiano dos demais indivíduos.


REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

COSTA PINTO, Manuel da. Prefácio do livro “Fahrenheint 451” de Ray Bradburry. Editora Globo. São Paulo, 2009.
HUXLEY, Aldous. Admirável Mundo Novo. Edição Globo de Bolso. Editora Globo. São Paulo, 2009.
MORAES, Vinicius de. Operário em construção. Antologia Poética. Edição Companhia de bolso. Editora Companhia das letras. p.311. São Paulo, 2010.
LISPECTOR, Clarice. A hora da estrela. Editora Rocco LTDA. São Paulo, 2008.
HOLANDA, Chico Buarque de. Construção. Disponível em <http://letrasdespidas.wordpress.com/2007/07/12/chico-buarque-construcao> Acesso no dia 10 de novembro de 2010.
ANTUNES, Thiago. Aula sobre Teoria da Alienação. Centro Educacional SESI. São Paulo, 2010.
ANTUNES, Thiago. Aula sobre Utopia e Distopia. Centro Educacional SESI. São Paulo, 2010.
ANTUNES, Thiago. Aula sobre o livro “Admirável mundo novo” de Aldous Huxley. Centro Educacional SESI. São Paulo, 2010.

Nenhum comentário:

Postar um comentário