sexta-feira, 8 de julho de 2011

Amor e outros desastres


O homem:
Ninguém até agora conseguiu definir
Não consigo mais me concentrar.
Não leio, não escrevo, apenas... Pensar,
Nisto que, como você, tem a mania de ir.

A amada:
É o amor! Este que corre riscos,
Que doa sem esperar nada em troca,
Que não tem medo de se entregar,
E no delírio só pensa em amar.

O homem:
Então é isso que sinto.
É torpor, é calor, é fulgor!
A destruição do passado findo.
O abismo futuro, e nele não fico.

A amada:
É o amor, meu amor, companheiro, amado
E querido! Eu te amo!
Deixe de caso, venha me errar
Amar! O amor sempre perdoará.

Conto "Dose dupla"


Olhava para o relógio. O trem sentido Luz estava atrasado. O último passara há quinze minutos. Os ponteiros marcavam cinco e meia da tarde. Fazia frio. Ventos gelados do Sul acompanhados por uma garoa de resignação bem a gosto de São Paulo cortavam-me o rosto. O que eu mais desejava era chegar à minha casa, tomar um bom café, e deitar-me, ou para ler, ou para escrever, ou para assistir algum filme na televisão.
Abri um dos meus exemplares de George Orwell, lia-o, devorava-o ferozmente. Assim como qualquer leitor, parei a leitura por alguns instantes, e para o nada olhei. Estava refletindo sobre o que tinha lido. Mas desta vez, meu devaneio de olhar solitário não amou o nada e nem retomou a leitura. Não. O meu devaneio de olhar encontrou outro devaneio de olhar. Bem à minha frente, do outro lado do trilho. Ela não tinha livro em suas mãos. Então por que devaneava? Pensando apenas? E por que em minha direção?
O livro, já antes fechado, fora esquecido por mim – não sei como não o deixei no banco da estação - Meu olhar, minha mente, voltava-se em tentar decifrar quem era a bela moça em minha frente e o que ela pensava. A distância não afetou a percepção de seus detalhes. Pude perceber as peculiaridades do rosto, uma boca singela, carnuda e com sede de amar. Um olhar misterioso, cigano, de ressaca. Seus cabelos negros, levemente iluminados com fios castanhos. Havia um brilho no nariz, acho que era um brinco de nariz. Não pude distinguir pela distância. E também porque não parava de olhar sua franja, que com certeza era cortada à mão.
Nunca senti meu coração bater tão forte. Sentia a mão umedecer, um calor voluptuoso subiu pelo tronco até atingir minha face. Mas esta interação por olhar foi cortada pelos vagões vagarosos do trem que chegava à estação. O trem sentido bairro partiu, e lá ela não estava mais. Não se passaram mais de cinco minutos, e o trem, no qual embarcaria rumo à Luz chegou e parti.
Todos os dias sentava-me no mesmo banco, no qual sentei no dia que a vi pela primeira vez. Não a vi mais desde então. O trem sempre atrasava, e mesmo assim ela não estava lá. A não ser por um dia em especial. O trem atrasara como sempre, e lá ela estava. Um pouco diferente. Pelo que me lembro – é importante ressaltar que mesmo dentro de uma cortina de névoa que a distanciava em minha mente, pude reconhecer seu rosto – seu cabelo era menor. Deveria ter cortado. Ela se levantou! Por quê? Cansara de esperar o trem? Não sei, só sei que ela subiu as escadas rolantes sentido à bilheteria da estação. Num movimento frenético e involuntário levantei-me e fiz o mesmo. A estação estava cheia de gente. Ela não era muito alta, na verdade, eu que sou muito alto, mas quase a perdi de vista em meio à multidão. Ela se dirigia ao terminal de ônibus – pela demora poderia ter mudado de ideia em relação ao transporte público, sendo qualquer outro que a levasse a seu destino em menos tempo – não que eu acredite em destino ou em divindade. Não! É tudo papo furado, mas parece que os deuses conspiravam ao meu lado. A escada rolante pifou e ela ficou travada, não pode descer, pois a escada estava repleta de gente. Foi o tempo necessário para alcançá-la e tocar de leve em seu ombro para chamar-lhe a atenção. Foi o que aconteceu. Ela se virou a mim. Disse meia dúzia de palavras e a convenci de ir tomar café comigo numa cafeteria perto dali. No caminho conversamos sobre diversas coisas. Todas inúteis. Conversamos tanto naquele fim de tarde. O café nunca foi tão bom. A fumaça da temperatura da xícara subia e contrasteava com os olhos castanhos dela. Como era bela. A pele branca, o sorriso perfeito com grandes e justapostos dentes, um sorriso largo. O que mais desejava era beijar aqueles lábios, que pareciam macios, com gosto de café! Falamos tanto, não conversamos nada. Nada. Ela carregava consigo um livro. Ela me contou a história. Contou sobre seu trabalho de tradutora de livros em francês. Contei sobre meu trabalho de professor de literatura. Fomos muitos felizes durantes as três horas que passaram.
Nossa ligação tímida na rasteira intimidade que se gerou entre nós foi burlada quando ela olhou em seu relógio. Quase nove horas. Precisava ir. Despediu-se de mim. Fez questão de dividir a conta, deixou três notas de dois reais na mesa junto a um cartão. Beijou-me na bochecha direita e sua imagem foi se esvaindo conforme ela abrira a porta e partia rumo à estação.
O cartão continha seu nome, diferente, inusitado – demorei horas para aprendê-lo - e o telefone do escritório, onde trabalhava.
No dia seguinte liguei para o número. Ela atendeu. Marcamos de almoçarmos juntos. Ela trabalhava num escritório perto da Liberdade. Fui até lá. O mais estranho é que não almoçamos o que eu acharia que iria almoçar. Quando me viu, ela me agarrou e levou-me a um “hotel” ao lado do restaurante. Jogou-me na cama. Estava completamente confuso, apesar de realmente estar querendo almoçar o prato que ela ia me oferecer. Transamos loucamente. A cama bateu tanto na parede que marcou a forma da cabeceira na mesma. Praticamos tantas posições, que o Kama Sutra ficou curto e sem graça. Ela me deixou descansar por apenas cinco minutos, e em cima de mim já estava atiçando-me, esfregando-se, cavalgando, e me fazendo ver estrelas com muito calor e suor de novo.

Como não podia faltar. Este meu personagem, depois de uma transa, precisaria acender um cigarro. Foi o que ele fez.

Acendi um cigarro. Ela me esperou terminar de fumá-lo para se dirigir ao banheiro do quarto. Chamou-me e tomamos banho juntos. Juntos, corpos unidos e molhados, agora não por suor, mas pelas gotas mornas que saiam do chuveiro, formando um único corpo de paixão. Ela precisara voltar ao trabalho, estava meia-hora atrasada.
Essas brincadeiras, essas aventuras, duraram dois meses. Todo santo dia. Na hora do almoço, no hotel da Liberdade e à noite em meu apartamento na Luz. Estávamos apaixonados. Eu, doente de amor. Não conseguia passar uma hora ou duas longe dela. Pensava nela enquanto dava aula. Pensava nela enquanto tomava meu café. Pensava nela enquanto fumava meu cigarro. Pensava nela enquanto lia o livro da vez. Pensava nela quando pegava o trem.
Num dia liguei em seu serviço. Uma voz diferente atendeu. Disse-me para correr se quisesse vê-la, pois o estágio dela em São Paulo tinha acabado e ela viajaria de volta à sua cidade no interior. Corri. Saíra da Luz rumo à Liberdade. Quando cheguei à porta do edifício lá estava ela partindo com uma mala. Parei-a e perguntei por que ia embora sem dizer nada a mim. Ela me respondeu que voltaria à sua cidade, numa região próxima à Araraquara – engraçado que ela não tinha a prosódia do interior, meu “porta” soava muito mais forte do que o dela – e que depois partiria rumo à França para se dedicar à tradução de seu idioma. Insisti por que ela não me avisara antes. Ela me respondeu que fui só uma aventura. Que eu era maluco o bastante de correr atrás dela na estação e que isso a fez despertar interesse por mim. Que eu era interessante e bonito. Mas não era amor. Não! Apenas uma aventura sexual. Uma eventualidade do cotidiano. Disse também que nunca se prenderia a um relacionamento. Fiquei tácito. Beijara-me e partira num táxi.  
Nunca mais a vi. A única vez que ouvi falar dela – na verdade, que li sobre ela – foi ao ler seu nome num livro, cuja tradução era sua. Mas a vida voltou ao normal. Continuei pegando o mesmo trem que sempre atrasava, continuei lendo meus livros enquanto esperava o trem atrasado. Até um dia que, enquanto devaneava, vi uma bela moça no outro lado da estação. Ela levantara, subira a escada rolante rumo à bilheteria. Levantei-me e fui atrás dela.

Conto "O último passageiro"


Ao entrar pela porta que dá acesso às escadas rolantes, José Luis percebeu que se encontrava na rodoviária do Tietê. Olhou para seu relógio adiantado, depois mirou o da rodoviária. Estava atrasado. Foi ao guichê da empresa de ônibus em que tinha comprado a passagem de volta para a sua cidade de origem, lá na puta-que-o-pariu. Chegando ao balcãozinho de serragem prensada, pode perceber a bela moça que se encontrava do outro lado daquele vidro ou acrílico, todo arranhado, riscado e com lascas faltantes nas extremidades inferiores. Seu decote era tão, tão erótico que José Luis esqueceu-se do que iria perguntar e o que estaria fazendo em tal lugar. Estava pensando na vontade de afogar naqueles seios rubros, de soltar aqueles cabelos ondulados em forma de coque e possuir aquela mulher.
Estava ali parado, igual a um imbecil, tosco de rosto, até que aquela volúpia de moça, cansada, não vendo a hora de seu expediente se encerrar, perguntou-lhe:
- Posso ajudar, senhor? – Na verdade ela não estava nem um pouco a fim de lhe oferecer qualquer tipo de ajuda.
- Ah... ? Sim, pois não... Nossa... Tenho reservada uma passagem para sei-lá-onde e queria verificar a que horas o ônibus sai.
- Sim senhor, pode-me passar o número de sua passagem? – Que fardo!
- Claro! – Procurou na bolsa que carregava, depois nos bolsos de sua jaqueta, depois nos da calça, a atendente já estava sem nenhum pingo de paciência – Aqui está! O número é nove, zero, zero, zero... – Aquela formosura de moça digitava os números no computador do sistema nem se importando ou prestando atenção se estavam corretos ou não - ... zero, dois, um. Pronto!
- Só um minuto. Aqui está. O ônibus com destino ao fim-do-mundo já saiu há uma hora.
- Mas não pode ser... O que eu faço agora?
- Não sei, meu senhor, não estou nem um pouco interessada.
- Mas a senhorita não pode arrumar outra passagem?
- O próximo ônibus com destino para essa-cidade-esquecida-por-Deus sai às dezoito horas... – Menos mau, daqui à duas horas - ... de amanhã. Só resta uma única passagem. Pode ser?
- Hein? Só amanhã...? Tudo bem, fazer o quê? – O monumento já não aguentava mais ouvir aquela voz idiota, daquele homem idiota e de olhar idiota.
- Tudo certo, então. Aqui está seu comprovante. Posso lhe ajudar em mais alguma coisa? – Não!
- Não, não, não...  Posso ficar aqui na rodoviária enquanto espero o ônibus? – A sua cara de pedinte e tristeza implorava compaixão e um teto para passar a noite.
- Sim, meu senhor, pode sim, contanto que fique longe de mim e não me siga quando eu for embora.
- Claro que não! Tudo bem, vou ficar ali encostado no banco – Nisso, na fila já estavam duas pessoas muito impacientes.
- Ok, então me dê licença que tem mais gente na fila. Um bom fim de tarde e boa viagem, até logo – E não pode deixar de dar aquele sorrisinho forçado e falso de aeromoças.
José Luis, coitado, teria que passar a noite na rodoviária, sentindo frio e dormindo num desses bancos de plástico, bastante desconfortáveis. Acredito que o curioso leitor queira saber o que José Luis está fazendo em São Paulo, e sem condições de dormir num hotel. Na verdade, ele veio visitar uma tia doente. Hospedou-se num hotel barato na Sé por dois dias e havia comprado, desde já, a passagem de volta. No primeiro dia na capital, deu algumas voltas pela região central. Foi roubado e levaram-lhe cinquenta reais. O resto do dinheiro que estava na meia serviu para pagar um sanduíche de churrasco grego, nesse mesmo dia visitou a tia e voltou ao “hotel”. Foi dormir por volta das oito da noite. Mas o barulho da cidade não no deixou entregar-se à Morpheu. Então se vestiu, pegou os duzentos reais que estavam numa de suas malas e foi usufruir a noite da cidade da garoa. Foi aí que cometeu seu maior erro. Entrou numa das casinhas-de-luz-vermelha da Sé. Arrumou um rabo de saia, bebeu todas e gastou todos os duzentos reais. Os únicos. O único dinheiro que tinha depois do roubo e do churrasquinho. Voltou ao amanhecer, quase foi atropelado na Avenida Maria Paula pelo trânsito das seis da manhã. Entrou no quarto e deitou-se na cama. Ao acordar, de ressaca, lembrou-se de sua falecida mãezinha e pediu perdão pela noite de libertinagem – quem fez isso foi a personagem, e não eu, este modesto narrador ateu que vos fala. Ou melhor, que voz escreve – vestiu-se, almoçou no restaurante do hotel e quando foi pagar a conta pela estadia, viu que não tinha mais nenhum tostão. Averiguou todas as meias, malas e bolsos. Nada! E o dono, para não sair no prejuízo o fez lavar toda a louça do almoço e dos cafezinhos servidos aos outros hóspedes. Só então pode partir para a rodoviária e daí vocês já sabem.
Então, José Luis estava lá, sentado no banco de plástico a observar todos os movimentos humanos e inumanos que vagavam pela rodoviária. Ali perto se encontrava um mendigo. Não muito sujo, não muito limpo. Quando o mendigo avistou José Luis, correu, literalmente, correu para se sentar ao seu lado. Tentou puxar conversa com José Luis, ofereceu um cigarro a José Luis, ficou olhando com um amigável sorriso esperando respostas de José Luis. E José Luis levantou-se, e sentou-se em outro banco, agora de madeira. Um olhava para o outro, frente a frente, e permaneceram neste estado por horas. Em busca de algo para saciar o tédio ocioso que tomava conta do tempo, o nosso protagonista revirou sua bolsa, retirou um livro do Saramago. Por este lado, José Luis não era tosco, nem idiota, nem imbecil. Leu dez, vinte, trinta páginas, e quando chegou na trigésima primeira, encontrou uma nota de dois reais. A felicidade tomou conta de sua face, seus olhos tiniam ao olhar aquela velha, amassada e enrugada nota. Como ainda eram dez horas da noite e a rodoviária ainda estava cheia, saiu em busca de algum alimento. Comprou um sanduíche de queijo com presunto, uma dose de Rabo-de-Galo e um pingado. Voltou ao seu banco para poder saciar a fome que tomava conta de suas entranhas.
Nestes exatos quinzes muitos em que ceava, começou a reparar nas pessoas que ali estavam ao seu redor. Havia um casal homossexual aos beijos numa das calçadas. Outro casal, só que heterossexual, aos amassos num canto escuro, e não muito longe dele uma moça lendo um desses livros mágicos de fantasias mágicas. E, na sua frente, o mendigo que lambia os beiços ao ver o sanduíche. Não pode deixar de mirar tal mendigo e sua fome, que também o consumia. Levantou-se e foi direto ao coitado, ofereceu o resto de pão que sobrou e a dose por completa da pinga e bebeu o pingado.
- Muito obrigado, meu senhor, que os astros lhe protejam em seu caminho.
- Ainda tem aquele cigarro que me ofereceu antes?
- Sim, tome. Não fumo.
- Então por que o guardou consigo?
- Porque sabia que você estaria aqui.
- Mas como sabia?
- Ouvi sua conversa com aquela beldade de moça sobre sua passagem. Quando você mexeu em sua bolsa, deixou cair um maço vazio e quando vi que um rapaz tinha deixado cair um único câncer num desses bancos, guardei-o para lhe oferecer.
- Muito obrigado, então. Sabe, não sei como matarei o tempo até a hora de meu ônibus.
- Onde você mora?
- Onde-Judas-perdeu-as-botas.
- Ah... O que está lendo?
- Saramago, conhece?
- Sim, já li cinco de suas obras.
- Como leu? Como o conheceu?
- Fui professor.
E os dois ficaram ali conversando por horas. O casal gay se foi. O outro casal entrou num dos ônibus e a moça da mágica magia entrou no banheiro e sumiu. José Luis cochilou, o mendigo começou a ler o livro e amanheceu. Os guichês abriram por volta das oito da manhã, e um pouco antes, aquela moça do começo da história passou para iniciar seu turno. Viu José Luis, continuou caminhando e dirigiu-se ao seu posto de trabalho, lá abriu o sistema e verificou que à meia hora sairia um ônibus com destino a muito-longe, e que havia uma única passagem sobrando. Ela correu até onde se encontrava José Luis e o acordou. O mendigo que estava na metade do livro ficou a observar e não pode deixar de ver seus seios fartos e muito mais rubros que o normal.
- Senhor, senhor, acorde senhor!
- Ah... Sim, sim...
- Tenho ótimas notícias para o senhor, daqui à meia hora tem um ônibus que partirá sentido a sua cidade e consegui colocá-lo neste embarque – Nesta hora José Luis já estava bem acordado e com sorriso de orelha à orelha.
- Mas antes escova estes dentes que o bafo está me matando – disse o mendigo.
- Mas é claro! Como posso agradecer?
José Luis correu para o banheiro, escovou os dentes, os cabelos e a cara por completa, saiu de lá como gente. Foi ao mendigo, agradeceu o cigarro, a companhia e deu-lhe o livro para que o terminasse de ler. O mendigo agradeceu, despediu-se de José Luis que saiu correndo para a fila do ônibus. Quando a moça percebeu que ele já iria embora, foi até ele.
- Desculpe-me se fui grossa com o senhor no começo – Nisso a voz da moça deixou de ser profissional e passou a ser sensual, mas melancólica. José Luis, que de tonto não tinha nada, disse:
- Não me chame de senhor, mas de você.
- Então, quando você voltar para São Paulo, venha me visitar – E deixou um papelzinho no bolso da jaqueta de José Luis – Até logo e boa viagem.
- Despediu-se, e o nosso protagonista ficou ali parado, admirando aquele paraíso em forma humana indo embora num rebolado gingado, desmontando o quadril. Só saiu do transe quando o motorista o chamou e José Luis entrou e sentou-se no lugar indicado pela terceira e nova passagem.
Quando se sentou, José Luis se lembrou do bilhete em seu bolso. Retirou-lhe de lá e começou a lê-lo. Nele havia o telefone e o endereço da moça e uma dedicatória: “Ao meu último passageiro. Com amor. Moça”.

segunda-feira, 4 de julho de 2011

Fichamento A Linguagem em uso


REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA

FIORIN, José Luiz. A linguagem em uso. In: Introdução à Linguística Volume I. São Paulo: Contexto, 2002. p.165-185.


PALAVRAS-CHAVE

Pragmática; linguagem; usos da língua; atos de fala; enunciação


RESUMO

José Luiz Fiorin em A linguagem em uso toma, como ponto de partida, os conhecimentos linguísticos para a compreensão da língua na situação concreta de fala. Para o linguista, não basta apenas haver os conhecimentos fônicos, semânticos e combinatórios da língua, mas sim os instrumentos de interpretação da enunciação durante uma interação sociocognitiva (comunicação). O estudo destes instrumentos relacionados à enunciação recebe o nome de Pragmática. Esta estuda a relação entre o sistema linguístico e seu uso durante a fala. De acordo com Fiorin, há frases e palavras que seus entendimentos serão possíveis, apenas, na situação concreta de fala.
Os objetos de estudo da Pragmática são os fatos de comunicação. São estes: a enunciação (ato de enunciar uma sentença linguística por meio da fala); a inferência (quando um enunciado implica outro[s] enunciado[s] e cabe a Pragmática orientar qual o sentido literal de uma inferência); e instrução (termos ou palavras do discurso [conectores, conjunções, preposições, advérbios] que instruem uma interpretação do enunciado).
Fiorin discorre sobre a Teoria dos atos de fala de John Austin, filósofo e linguista, estudioso da Pragmática. Sendo esta Teoria a análise de enunciados na forma afirmativa, na primeira pessoa do singular do presente do indicativo da voz ativa. Esses enunciados afirmativos são denominados de performativos. Quando há a condição de sucesso, ou seja, um performativo foi realizado com êxito dentro da interação, ocorre(m) a(s) circunstância(s) de enunciação, logo um performativo foi realizado e houve comunicação. Para que ocorra a condição de sucesso de um performativo (o que implica haver comunicação), é necessário que a enunciação cause algum efeito, dentro da interação; é necessário executar a enunciação em contexto/ambiente adequado; e é necessário, antes de tudo, haver interação sociocognitiva, o que efetiva a enunciação.
Outro ponto abordado por Fiorin em relação à Teoria dos atos de fala são as Máximas conversacionais. Esta afirma que a conversação é constituída por enunciados que têm, sempre, uma finalidade dentro da interação. Entre essas Máximas estão: a da quantidade (indicação de quantidade atributiva ou numeral para ser dado um tanto de informações necessárias na comunicação); a da quantidade de verdade (indicação verídica de quantidade atributiva ou numeral de informações enunciadas); a da relação de pertinência (indicação de informações necessárias e pertinentes ao tipo de conversação que se tem dentro de um contexto); e a Máxima de maneira (exposição clara e objetiva das informações inseridas nos enunciados. Desta forma é transmitida a certeza/verdade daquilo que se diz, o que convence o interlocutor do ponto de vista do falante por meio do discurso indireto e respeito às regras da conversação, como, por exemplo, os turnos de fala).
O último ponto abordado por Fiorin é em relação aos Pressupostos e subentendidos, ou seja, a identificação de implicaturas de informações implícitas nos enunciados, o que pode levar à arbitrariedade e/ou ambiguidade da compreensão destes enunciados. De acordo com o linguista, quando a informação for explícita, cabe ao interlocutor o direito de questionamento, por essa razão que os pressupostos têm que ser verdadeiros, pois eles serão implícitos, o que não caberá questionamentos. O bom uso de pressupostos está relacionado ao conhecimento de mecanismos linguísticos, para efetivar um argumento que levará o interlocutor a aceitar as ideias exposto-propostas ou a negação destas ideias, sem discussões sobre. Entre esses mecanismos linguísticos que corroboram os pressupostos estão os adjetivos; as orações adjetivas; certos advérbios; tempo e modo verbal; e certas conjunções. O pressuposto por ser contestado, cabe ao emissor usar dos mecanismos linguísticos para não o ser. Já os subentendidos não o são, pois, por meio de insinuações ou alusões, remete-se ao sentido literal das palavras, logo não há o comprometido direto pelo o que foi dito.
Em A linguagem em uso, Fiorin faz uma introdução à Pragmática, sendo objetivo desta área da Linguística a produção e interpretação completa de enunciados, em situações reais de uso (a fala – a interação sociocognitiva – a comunicação), levando, sempre, em consideração o contexto em que há o uso real.

CITAÇÕES

“No sistema linguístico, temos oposições fônicas e semânticas e regras combinatórias dos elementos linguísticos. (...) A Pragmática não confere à língua uma posição central nos estudos linguísticos, não a vê isolada da utilização da linguagem. (...) A Pragmática estuda a relação entre a estrutura da linguagem e seu uso, o que fora deixado de lado pelas correntes anteriores da Linguística, que criaram outros objetos teóricos. O estudo do uso é absolutamente necessário, pois há palavras e frases cuja interpretação só pode ocorrer na situação concreta de fala.” (FIORIN, p.166)

“Nos anos 1970, a Pragmática era considerada por muitos linguistas a ‘lata do lixo da Linguística’, pois diziam eles que ela se ocupava em resolver os problemas não tratados por objetos teóricos da ciência da linguagem. Seu objeto seria um conjunto de fatos marginais. Essa visão é completamente errônea. Ela trata dos princípios que regem o uso e não dos usos singulares. Se uma expressão tem vários sentidos quando é usada, isso deriva de um princípio pragmático aplicado a ela. A Pragmática vai procurar descobrir esses princípios que governam os diferentes sentidos dados pelo uso.” (FIORIN, p.169)

“Austin abandona a ideia de que possa existir um teste puramente linguístico para determinar a existência do performativo e volta à própria definição do performativo, ou seja, ele é a realização, ao enunciar, de um ato de fala.” (FIORIN, p.172)

“Segundo alguns autores, os comportamentos linguísticos são determinados por regras ou princípios gerais de natureza racional, ou seja, a maneira de utilizar a linguagem na comunicação é regida por princípios gerais assentados em inferências pragmáticas.” (FIORIN, p.176)

“O uso adequado dos pressupostos é muito importante, porque esse mecanismo linguístico é um recurso argumentativo, uma vez que visa a levar o leitor ou o ouvinte a aceitar certas ideias. Com efeito, introduzir no discurso um dado conteúdo sob a forma de pressuposto implica tornar o interlocutor cúmplice de um dado ponto de vista, pois ele não é posto em discussão, é apresentado como algo aceito. Mesmo a negação das informações explícitas contribui para corroborá-lo.” (FIORIN, p.182)