sexta-feira, 23 de setembro de 2011

Nem poesia nem prosa, mas ao meio termo entre as duas - Ensaio sobre o poema-em-prosa

            Antes de partir para o poema em prosa da Cristina Cesar, é necessário relembrar o que é poema. Na forma gráfica, poema é um texto em verso. O conjunto de versos forma a estrofe. Na estrofe os versos são organizados em forma rítmica, isto é, sonoridade presente nas rimas (internas e nas que finalizam cada verso). A partir daí tem-se três características básicas e primárias do poema: verso, ritmo (som) e rima.
          No caso do poema em prosa, este é uma “mini narrativa”, isto é, nem conto, nem crônica, nem notícia, mas sim um texto poético em forma de prosa. Para ser considerada um poema, esta pequena prosa poética tem que, pelo menos, possuir as três características primárias do poema (o mais poético de todos os textos), que são: o verso, o ritmo e a rima. Por este caminho, é necessário enxergar na prosa poética o verso subentendido. Ou seja, peguemos o poema “Sete-chaves”. O que caracteriza o verso embutido na prosa, porém este não é um verso gráfico, pois se trata de uma prosa e não poema em si, é a pausa por pontuação, primeiramente. Isto é, pode-se considerar que cada frase entre vírgulas ou entre pontos finais, seja um verso, isso porque estas pausas, na oralidade, dão ritmo a um som mais “quebrado”, típico da declamação poética. Um exemplo é o seguinte trecho do “Sete-chaves”: “(...) Estou tocada pelo fogo. Mais um roman à clé? Eu nem respondo. Não sou dama nem mulher moderna. Nem te conheço. Então: (...)”.
      Outra característica sonora, isto é, que tem função rítmica é o som das palavras por meio de fones semelhantes: “Vamos tomar chá das cinco e eu te conto minha grande história passional, que guardei a sete chaves, e meu coração bate incompassado (...)”. No caso, o uso dos fones /s/ e /x/ faz tem a função de “som” para que o poema em prosa assemelhe-se ao som provocado pelo molho de chaves, por exemplo.
     Outro exemplo para confirmar que a presença submersa do verso nas frases prosaicas é por meio das pausas (orações razoavelmente curtas) e com a combinação de sons, o que compõe o ritmo (característica poética) do poema em prosa é o exemplo do seguinte trecho do poema “O cão e o frasco”, de Baudelaire: “(...) entre esses pobres seres, o sinal correspondido ao riso e ao sorriso, aproxima-se e, curioso, mete o nariz úmido no frasco destampado; porém subitamente, recuando de susto (...)”.
       E a rima? A função da rima é proporcionar som e ritmo, neste caso, o ritmo presente nas frases do poema em prosa abarca as três características primárias do poema.
       Outra questão em relação aos poemas em prosa é que, no poema a combinação é entre sentido/som. Já no caso do prosa poética a combinação é entre a sintaxe (que constrói a estrutura de sentido, pois é uma narrativa) e a semiótica (como o uso sonoro de fones, por exemplo).
       Em suma, o poema em prosa não é poema de versuras, pois sua forma tipográfica não o permite, mas também não é apenas prosa narrada, pois possui o ritmo do poema em rimas. Por essa razão que Agamben afirma que “mas ao meio termo entre as duas”, pois a prosa poética possui característica de um (o ritmo, por exemplo), na forma de outro (narrativa, por exemplo). A intenção de “meio termo” sugere uma ideia de “ainda indefinido”, e considero, eu, o poema “Sete-chaves” uma metalinguagem em relação à escrita prosa-poética. Principalmente no trecho: “(...) É daqui que eu tiro meus versos, desta festa – com arbítrio silencioso e origem que não confesso (...)”.


Sete chaves
(Ana Cristina Cesar)

Vamos tomar chá das cinco e eu te conto minha grande história passional, que guardei a sete chaves, e meu coração bate incompassado entre gaufrettes. Conta mais essa história, me aconselhas como um marechal do ar fazendo alegoria. Estou tocada pelo fogo. Mais um roman à clé? Eu nem respondo. Não sou dama nem mulher moderna.
Nem te conheço.
Então:
É daqui que eu tiro versos, desta festa – com arbítrio silencioso e origem que não confesso – como quem apaga seus pecados de seda, seus três monumentos pátrios, e passa o ponto e as luvas
.


O cão e o frasco
(Charles Baudelaire)

- Meu bom cão, meu cachorrinho, querido Totó, chegue- se e venha respirar um excelente perfume comprado no melhor perfumista da cidade.
E o cão, agitando a cauda, o que é, creio eu, nesses pobres seres, o sinal correspondente a um sorriso ou riso, aproximou-se e pousou curiosamente seu focinho úmido sobre o frasco destampado; em seguida, recuando subitamente, com medo, latiu contra mim como se me reprovasse.
- Ah! miserável cão, se eu tivesse lhe oferecido um pacote de excrementos, você o teria farejado com prazer e talvez até devorado. Assim você mesmo, indigno companheiro de minha triste vida, você se parece com o público a quem não se pode jamais presentear com perfumes delicados que o exasperam mas com sujeiras cuidadosamente escolhidas.

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